Estamos em 2030, é Janeiro e faz frio. Uso uma bengala para me amparar no equilíbrio de movimentos do meu corpo.

Israel foi definitivamente colocada no caminho da paz pela nova força emergente da nova era. A América compreendeu que não pode imiscuir-se na vida dos povos de todo o mundo e floresce de novo. Os conflitos estão reduzidos a quase nada e a indústria de armamento, vencida, deu lugar a uma florescente actividade que procura cativar as pessoas para o conforto e a felicidade. Respira-se melhor ar, com a aceitação das medidas propostas pelos cientistas, por lideres políticos emergentes, na sua maioria mulheres determinadas, que foram moldando a vida a um outro tipo de humanismo, para o interior do homem. É um tempo de ser mulher. O aceitar do sentido matriarcal da vida. A China é um baluarte da civilização humana, sem ideias expansionistas. África, enfim, governada por pessoas incorruptas, amantes da paz. Os Árabes, com o advento das novas energias, a aderirem ás novas ideias de convivência humana, a separarem a religião do governo dos povos. Ser mulher!...

Sinto-me uma memória actuante, um amante intrépido do amor e do ser mulher, infinitamente mulher, de todas as mulheres que conheci na sua plenitude interior, de algumas que conheci na adolescência que vi e senti crescer, as suas dúvidas, os seus desesperos, os amores que tiveram.

Cátia, lembro-me dos teus cabelos castanhos escuros quase negros, os olhos doces de um castanho mais claro, luminosos de esperança, de amor à vida, a tua figura esbelta de menina, a saia curta, o sorriso confiante e a voz que apenas se alterava quando desconfiavas que te traíam. Uma voz doce, afável de encantar quem te ouvia. A pele clara que escurecia no Verão por efeitos do sol a que te expunhas na alegria da praia. A esperança, o sonho.

Amei-te. Sim, amei-te de amigo. Dizer a uma amiga: Amo-te. E este "amo-te" soa não como uma paixão, um desejo do corpo para o corpo, mas como uma evolução da alma para a alma. Amei-te...Segui os teus passos, os teus anseios, a desilusão das tuas falhas de memória ante a pressão de testes, exames, tu que eras a mais estudiosa, a que tinhas mais vontade de ser.

Um dia disseste-me:

_Hoje, ah hoje...

Queimaram-me as asas e abandonaram-me neste mundo sem fim...

Derreteram a minha esperança.

Fizeram cair de mim lágrimas de angustia e de frustração...

Hoje deixaram-me no meio de uma floresta, onde só estou acompanhada de mim mesma.

Cortaram os fios que segurava o pano do palco fazendo-o cair.

Mostraram-me a realidade e estou aqui...

Parada, acompanhada de mim própria sonhando com o dia... um dia.

Mas esse dia nunca chegará.

Choravas, os teus olhos lindos para mim, numa súplica, para que apagasse de ti o dia que te pareceu o mais negro e eu disse-te que isso era politica, que era ainda a politica dos homens e que havias de vencer. Oh!, como eu acreditava que havias de vencer, em tanto de ti. E pedi-te que abolisses a palavra nunca, coisas simples, quando o que tu sentias era o palco definitivamente aberto e tu desnuda perante a plateia que julgavas se ria de ti. E no entanto bela de entre as lágrimas do teu desespero por um passo atrás. Apenas um passo.

Mas ripostaste ainda, carente de mimos, a cederes perante ti, talvez mais calma:

_Ás vezes as coisas não correm como queremos, é tudo muito difícil.

Mesmo que tenhamos muita força de vontade nem tudo é cor de rosa e hoje acredito nisso mais do que nos outros dias.

Não basta ter força de vontade, não basta sonhar, é preciso que aconteça.

È preciso que haja saída,.
A porta está fechada, talvez se abrirá um dia, um outro momento, mas enquanto isso que vou eu fazer?

Contei-te, em jeito de metáfora, uma realidade que me aconteceu num exame de condução.

Eu era um jovem culto, que não conhecia a frustração de um exame, um teste, um confronto ante o saber. O exame de código ainda se fazia no interior da viatura, não de frente, mas lado a lado com o examinar, a senti-lo obliquamente.

_Perante um sinal de stop o que faz o condutor?

_Paro e cedo passagem a todos os veículos. _respondi decidido

_E se for uma bicicleta?

Pensei que era uma rasteira. A vida estava cheia de rasteiras em que tropeçávamos amiúde.

Era uma brincadeira de gente crescida, até as guerras, como quando éramos crianças e brincávamos aos policias e ladrões, inocentemente.

_Se for uma bicicleta avanço, a bicicleta perde a prioridade.

Mais perguntas e mais perguntas e a cada três:

_E se for uma bicicleta

E eu insisti na resposta, cada vez mais convicto que era uma rasteira , a ver se eu caía.

À terceira deu por terminado, chumbei.

Disse-te de como me senti, como tu nesse dia, de como agarrei o livro do código, o introduzi literalmente, a todo ele dentro de mim .nos quinze dias para o próximo teste, com raiva, com amor a mim e de como, no dia do novo exame, respondi a todas as questões, ao livro todo se ele quisesse.

E tu riste-te, os teus lábios, os teus dentes, o perfume que saía de ti em cada gargalhada, as lágrimas que já eram de alegria nos teus olhos lindos. Cátia...

Abraçaste-me e deste-me um beijo em cada uma das minhas faces. O sorriso que era uma promessa, uma convicção de que ias-te a eles e vencer.

Fui acompanhando o teu crescer, sentindo que a cada embate, saías vencedora, que se calavam as vozes discordantes do teu orgulho humilde. Continuavas uma humanista consistente, saber para prever. Ias sendo ...e eis que te vejo...há quanto tempo não te via?

O palco infinitamente aberto, sem cortinas veladas, estás mais bela do que sempre te vi, corada, excitada, exuberante no tom do discurso de vitória que tu própria escreveste.

Mudei de sitio e deixei de te ver. Sabia que te tinhas formado em ciência politica, que tinhas iniciado a tua formação pós académica em vastíssimas áreas do conhecimento e história da humanidade, mas perdi-te o rasto na penumbra da vida que se adensava na medida em que eu fenecia e não chegava a tantos lugares como antes, quando tu eras a jovem sonhadora que eu amava de amiga.

_Amigos...a minha vitória, é a vitória de uma ideia que é maioritária entre todas as pessoas...É a vitória da paz....É a vitória do amor e é a vitória do homem sobre as suas insuficiências para se constituir em felicidade permanente...

Ouvia-te no palco universal da televisão, os olhos lacrimejantes de emoção.O olhar atento das inúmeras pessoas que tu chamavas a que participassem da cena, do guião que querias seguir e em que eles não eram tidos como figurantes, mas como actores principais de que serias apenas uma executora. E disse baixinho para o meu coração.

Minha menina sonhadora, meu amor de amiga vencedora.

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